quinta-feira, 26 de julho de 2007

Pan, o fim de uma ilusão

O delírio nacionalista está chegando ao fim. Depois dos bilhões de reais gastos, de obras superfaturadas sem possibilidade de apuração e de uma suspeita posição de destaque no quadro de medalhas, está na hora de recolhermos os corpos. Voluntários abandonaram seus postos devido à desorganização, ao lanche repetido e à dificuldade de transporte. Pertences dos atletas foram roubados na Vila Olímpica. Alguém se importa? Em pouco tempo constataremos o que acontecerá com os equipamentos e estádio construídos. Sem manutenção e sem gerência, apodrecerão aos poucos, de acordo com a tradição nacional.

O Pan não passa de uma sub-competição. Os Estados Unidos mandaram seus atletas tipo B e C parecendo uma forma de castigo: "Ah, estão mal no ranking? Pois então vão para o Pan!". Apenas uma emissora norte-americana se credenciou para a cobertura do evento: um canal de tv fechado falado em espanhol. Cuba, uma ilhota, passando pelas mesmas dificuldades de sempre, ainda consegue se manter como uma força. O Canadá só é bom nos Jogos Olímpicos de Inverno. E quem mais resta? As Ilhas Virgens?

O destaque dado pela mídia ao quadro de medalhas como sempre foi excessivo, dando a entender que o número de ouros, pratas e bronzes representaram a relevância que a prática séria de esportes tem na nossa vida cotidiana. Ficamos mais preocupados em bater as cubanas, tachadas de agressivas e anti-desportistas (eu também seria assim se vivesse nas condições em que elas vivem) ao invés de nos preocuparmos com o que há por trás da vida de cada atleta, como o Diogo do Tae-kwon-do. Ou então preocupados com a rivalidade eterna com os argentinos, como se eles fossem uma potência mundial esportiva. Até mesmo aquela que poderia ser uma medalha sem ressalvas, terminou não sendo. A seleção feminina de futebol, sem apoio, sem liga, conseguiu o ouro batendo as americanas sub-20. Marta, Formiga, Rosana são craques e enchem os olhos. Mas não pegaram pela frente nenhuma Alemanha, vamos com calma.

O Brasil perdeu uma grande chance de começar a dar uma guinada na sua vida social. Patrocinou os Jogos Panamericanos sem pretender investir em esporte como opção para milhares de meninos que viram diariamente as competições. O Pan como etapa classificatória para as Olimpíadas de 2008 em Pequim até vale. Mas daí a incensar nossos esforçados atletas subdesenvolvidos (porque sem apoio), é um pouco demais. Em Atenas 2004 ficamos em décimo-sexto. Ficamos à frente da Suécia e da Noruega (maiores IDH do mundo), mas por outro lado ficamos atrás da Romênia e da Hungria. Agora que a euforia está se esvaindo, é bom anotar nossas marcas e centenas de medalhas camufladas que enchem de orgulho nossas almas de vira-latas olímpicos.

Que venham a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O governo, as empreiteiras, as agências de publicidade, as emissoras de tv e os patrocinadores agradecem. (Tom Correia)

4 comentários:

Anônimo disse...

Até vislumbrar sua assinatura lá embaixo, pensava que o texto era do Mayrant...não sei porquê. Tom, em casa percebemos os erros com clareza. Qdo o evento é fora, "eles" não divulgam as merdas que fazem e nós não estamos (ou estávamos) lá para percebê-las. E, depois, adoramos falar mal de nós mesmos, é o esporte nacional preferido. Prefiro ver que não houve nenhum massacre (Munique), nenhum descaso populacional e ausência de torcida (Winnipeg, por falta de gente mesmo)e não quero lembrar de Santo Domingo, meu Deus!, nem do tarado que agarrou nosso maratonista na Grécia. Não que esteja tudo uma maravilha, não. O Pan foi preparado, não há dúvida, para gerar medalhas e muita grana para os "associados". Mas o quê, "nesse país", não é preparado para os "associados"? E muitos vivas p/os atletas amadores brasileiros, que na base do mingau arrancam o ouro dos bacanas!!!!! Quanto aos nossos atletas bacanas, bom...adiante trataremos disso. Abr. e parabéns pelo texto provocador. (Carlos)

Anônimo disse...

Tom, concordo com tudo o que você disse, mas tenho uma objeção: Tá certo que as meninas do futebol não jogaram contra nenhuma Alemanha, e sim contra a seleção sub-20 dos EUA, o que não diminui em nada seu feito. Tá certo também que o ritmo de jogo no futebol feminino é completamente diferente daquele do futebol masculino, mas vendo essas meninas jogarem, fiquei mil vezes mais empolgada do que vendo um jogo dos meninos pelo campeonato brasileiro. Adorei a campanha dessas meninas, simplesmente adorei. E se a única coisa que lhes resta é venerar uma maldita medalha de ouro, que venerem! Só elas sabem que isso pode ser tudo o que elas podem ter desse país.

Futeboleiros disse...

Dani,

assistir ao show das nossas futeboleiras foi o único momento em que vibrei de verdade durante todo o Pan. Mas o grande teste para elas será bater adversárias mais qualificadas nas próximas Olimpíadas. Aí sim, será um ouro sem ressalvas. Quantos aos futeboleiros do Campeonato Brasileiro, esqueça. São tão sofríveis que nem merecem comentário. (TC)

Anônimo disse...

Amigos, até a minha certidão foi superfaturada. Somos um país desonesto desde o primeiro momento, somos descendentes de portugueses; esqueceram? Mas estou do lado dos atletas brasileiros. São mais que atletas, são artistas, pois, mesmo à míngua, não desistem. Por mim os políticos eram enforcados. Mas nossos atletas... Olhem as meninas da ginástica: os pés são só marcas de treinamento. Símbolo de dedicação e destemor. De amor ao esporte. Acho que estamos usando nossa antipatia pela mídia para julgar os atletas brasileiros, e isso é ingenuidade. Encerro com Melville: "Ah, humanidade!"