segunda-feira, 16 de julho de 2007

DÁ-LE, DÁ-LE, DÁ-LE!!!

Exatamente às dezoito horas, sintonizei o rádio do carro na Sociedade da Bahia. Passei a acompanhar a estridência de Ranieri Alves, "faz fiu-fiu, canarinho, faz fiu-fiu!". A viagem foi de volta a Salvador, partindo da Av. Getúlio Vargas em Feira de Santana. A viagem foi também no tempo, ao tempo em que só havia o rádio para acompanhar futebol, lá na minha Ibotirama da infância e adolescência. A primeira estranheza: a cada dez minutos de jogo, apenas um de narração. E "dá-le" merchandising, comentários sobre fatos não narrados, bordões enlouquecidos e esgoelados. E tome pé no acelerador. Antes mesmo de sair da avenida e pegar a rodovia, veio o gol brasileiro. Esperei a confirmação. Não pude conter a risada e a fieira de comentários sobre aquele acontecimento incrível e surpreendente. A segunda estranheza: que jogo eu ouvia? o que acontecia ou o que aquele sujeito me contava? por onde andava Riquelme e Messi? Foi o comentarista, muito tempo depois, quem contou da bola na trave. O empolgado narrador não tava nem aí para os ataques da Argentina. Só contava dos desarmes, das defesas de Doni e dos perigosíssimos ataques brasileiros. Reforcei os comentários de aquela não era a história verdadeira. Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia ser tão fácil assim. Então veio o segundo gol. E o comentarista deu os trâmites por findos e passou a espancar Basile, que teria dito em calções, na beira da piscina, que não estava nem um pouco preocupado com a partida contra o Brasil. Pisei fundo. Sem perceber, havia gritado gol junto com o narrador. Estava levemente entusiasmado. Não sei como entrei no apartamento e fui correndo ao banheiro, de onde ouvi, isso mesmo, ouvi o terceiro gol sendo gritado pelo prédio inteiro, pela vizinhança toda. O que vi pela tv depois do terceiro gol foi...nada, nada mesmo. A mesma merda de sempre. E aquele time havia metido três naquela Argentina de sonhos...!
Ora, não retiro nada. Só acrescento o que digo a Mayrant, vez em quando, com meus silêncios: não dá para deixar de gostar de futebol e adotar outro esporte. O futebol é essa loucura de imprevisões e perplexidades. O esporte dos baixinhos e dos grandões, dos fortões e dos mirrados, da porrada e do toque genial, do bom que perde e do ruim que ganha. É um vento que açoita em todas as direções. É tudo pelo qual sou apaixonado: a forja da realidade, distante do tecnicismo previsível, das amarras dos treinos mecanicistas, o gênio fugaz, o belo que se improvisa até nos pés das bestas, a tonteira do drible, a vertigem das viradas espetaculares, a materialização das impossibilidades e, principalmente, o enfrentamento direto dos jogadores, a disputa do espaço comum passo a passo, a posse invasora, a porra da bola entrando...essas coisas do tesão, da glória de existir.
Desejei a derrota porque não desejo a entronização da... medianidade, vá lá. Quero o padrão 82 para a seleção brasileira. Não digo 70 pois não é possível outro Pelé. Não quero a Hera Dunga, é simples assim.
E depois do jogo, veio o sinal: o capitão Gilberto Silva disse que teríamos que engolir essa coisa. Eu não engulo nada, meu caro, estou fora dessa!
E teve comentarista adiantando que Ronaldinho e Kaká irão direto para a reserva na seleção.
Até o presente momento, foi esse o saldo que apurei da grande vitória de hoje. A mediocridade entronizada e esbravejante.
Como não torcer contra um plano desse?
Como evitar a comemoração interior de uma vitória dessa?´
Aí estão os motes.
(Agora, extenuado, vou procurar ver o vt do jogo)

(Carlos Barbosa)

3 comentários:

Futeboleiros disse...

Ô, Tom, não tem como incluir no blog o envio de indicação de leitura, como nos blogs do uol? (Carlos)

aeronauta disse...

Puxa, que maravilha de texto!

Anônimo disse...

Essa narração sua, Carlos Barbosa, me trouxe de volta a Andaraí, quando pai "assistia" futebol no rádio... Adorei! Abraços.